Do Curdistão até a Abya Yala: Tecendo o Confederalismo Democrático Mundial das Mulheres


As mulheres, quando se encontram, são como rios que se buscam na montanha: cada um nasce de uma fonte distinta, mas cedo ou tarde descem, se entrelaçam e formam um caudal maior, capaz de abrir vales e alimentar territórios inteiros. A unidade das mulheres não é apenas um desejo, é a memória viva da terra que recorda que nenhuma raiz floresce sozinha, que nenhuma árvore se sustenta sem a floresta que a rodeia. Somos sementes dispersas pelo vento, mas com a força da organização nos transformamos em um campo fértil que ninguém pode arrancar. O universo das mulheres é um tecido infinito: costura os caminhos e revela novas rotas de liberdade. Diante do patriarcado, do colonialismo e do capitalismo que tentam nos dividir, nossa força está em nos reconhecermos como uma só respiração múltipla. Unidas, as mulheres não apenas desafiam as fronteiras impostas: elas as desfazem com a memória ancestral das lutas que nos precedem. O período histórico em que vivemos deixa claro que há uma guerra aberta contra as mulheres. Essa guerra se fundamenta em atacar nossos corpos, nossos pensamentos e emoções, nossos povos e territórios. Por isso, tecer alianças entre mulheres sempre foi a clarificação mais profunda da luta pela vida. Defender-nos e construir conjuntamente será a base para aprender umas com as outras, abrir caminho juntas e criar uma alternativa que abrace as mulheres do mundo.


Com essas convicções se funda, em 2018, sob a liderança do Movimento de Mulheres do Curdistão, a Rede de Mulheres Tecendo Futuro,que há vários anos vem debatendo com movimentos de mulheres de muitos territórios e tentando colocar em prática uma proposta que interpela as mulheres do mundo todo: o Confederalismo Democrático de Mulheres; inspirado no modelo de organização proposto pelo KJK (Komelen Jinen Kurdistan – Comunidade de Mulheres do Curdistão), a Rede de Mulheres Tecendo Futuro reavivou os debates em torno da necessidade de se organizar e construir entre mulheres. O objetivo principal do Confederalismo Democrático Mundial das Mulheresé criar uma maneira efetiva para que as lutas e os movimentos de mulheres possam se articular, criar alianças e construir redes entrelaçadas para poder fortalecer nossas capacidades e ampliar os horizontes de luta em nossos territórios. Essa forma de vida comunal tem sido construída e protegida por comunidades ancestrais em todo o mundo. Não falamos de algo novo, suas raízes são muito profundas. Por essa razão, acreditamos que pode ser uma resposta aos problemas de nossas sociedades. Fortalecer nossas capacidades de organização e resistência fará com que, de maneira mais firme, possamos desenvolver o tecido que continua protegendo a vida e enfrentando essa guerra contra as mulheres, a natureza e os povos. A Rede de Mulheres Tecendo Futuro está em debate e compartilha caminho com movimentos de mulheres de Abya Yala, Oriente Médio, Ásia, África e Europa.


Vimos que a riqueza dos métodos de luta das mulheres é tão grande que devíamos construir espaços onde fosse possível debater, conversar e compartilhar todas essas experiências, e conjuntamente dar passos adiante. Por isso, em outubro de 2018 foi realizada a primeira Conferência da Rede em Frankfurt (Alemanha), com o lema “Revolução em construção”.Depois dessa primeira Conferência, a Rede ampliou suas alianças e começou a costurar o tecido entre mulheres, territórios, lutas e organizações. Em novembro de 2022 teve lugar a segunda Conferência Internacional de Mulheres em Berlim (Alemanha), com a participação de mais de 700 representantes de cerca de 50 territórios. Essa segunda conferência teve como lema “Nossa revolução: libertar a vida”. Dos resultados da segunda conferência, debateram-se sobre a violência dos Estados contra as mulheres, o ecocídio que sofrem nossos territórios, as diversas formas de luta contra o patriarcado, a defesa da vida e a construção de alternativas ao sistema capitalista.


Após a segunda conferência, tomamos juntas a decisão de que, nos diferentes continentes, começássemos a nos organizar buscando desenvolver em cada território sua própria prática, suas próprias respostas. Diante do momento atual em que nos encontramos, acreditamos que é hora de aprofundar estratégias e diálogos nos territórios que habitamos e desenvolver uma prática. Estamos convencidas de que um novo internacionalismo criará uma nova perspectiva, capaz de mostrar e potencializar nossas capacidades.


Tecer o futuro significa fiar, com paciência e força, os fios da memória e da esperança, unir as fibras de cada território para transformá-las em um tapete coletivo que resiste ao patriarcado e abre caminhos novos. Todas somos fios distintos: capazes de suportar o peso do mundo e imprescindíveis para dar forma e beleza ao tecido. Quando esses fios se cruzam, se atam e se sustentam, aparece a trama de um futuro comum. Somos uma realidade viva, um entrelaçado de resistências. Tecer o futuro é um ato de rebeldia diante da lógica patriarcal que tenta separar, dividir e isolar. Somos resistência, somos criação de experiências e saberes.


Nos diferentes continentes do nosso mundo as mulheres estão abrindo caminho. Há muitos anos o Movimento de Mulheres do Curdistão está em diálogo com as mulheres e os povos do Abya Yala. Caminhamos muito juntas e aprendemos umas com as outras. Encontrar-nos fortaleceu nossa força e nosso entendimento. Por isso, para os territórios do Abya Yala desejamos fortalecer nosso tecido de luta comum, debatendo, planejando e passando à prática. Caminhamos rumo a novos encontros da Rede de Mulheres em nível continental. Precisamos de objetivos comuns para desenvolver nossa prática. Do fruto das experiências e das lutas do Abya Yala abre-se o caminho para fortalecer não apenas este território, mas todos os territórios nos quais a Rede de Mulheres está se expandindo. A organização local fortalecerá a defesa do nosso futuro. A força no caminhar das mulheres trará a paz para os povos. Construímos alternativas ao passo da voz das mulheres!


Rede de Mulheres Tecendo Futuro